segunda-feira, 23 de abril de 2012

Me ensinaram consciência


Minha saudosa escola Santa rita, em Gravataí

Todo mundo tem que passar pela escola. Tem que não goste, ache um saco. Não é o que acontecia comigo. Eu era uma CDF completa, de óculos de lentes grossas, sentada na fileira bem da frente, sempre com o braço levantado pra intervir na aula e responder perguntas.

Dá pra entender. Filha única, poucos amigos, uma certa dificuldade de relacionamento, facilidade em obedecer regras de comportamento. Era na escola que eu era a Maíra de verdade. E a Maíra aparecia mais em momentos específicos.

Oitava série. Aula de religião. Não tinha nada sobre aqueles valores "universais" (leia cristãos). comuns nessas aulas. O conteúdo era história das religiões. Nós apresentávamos seminários. Valia qualquer coisa: budismo, induísmo, islamismo, judaísmo, rastafarismo... O meu grupo fez sobre a Umbanda. Fomos inclusive ao terreiro entrevistar a mãe-de-santo.

Mas claro que a nossa professora não se contentaria com tão "pouco".

Em uma aula, explicou tudo sobre a Base de Alcântara. Tudo!Sobre como podiam acontecer acidentes com lançamentos de foguetes (fora dos EUA, é claro :P ), sobre como os EUA estavam cercando a Amazônia de bases, sobre a proibição de que o Brasil fiscalizase os containers que iriam para a base, que a base seria território americando (ou seja, nossa constituição não teria valor lá) e etc. Mas poderíamos evitar que tudo isso acontecesse de alguma forma. Ia ter um plebiscito, e haveria uma urna na escola. E ficou claro: expliquem tudo isso para seus pais e os tragam para votar (a maior parte de nós esta longe dos 16).
Uma vez, respondendo uma pergunta minha, a professora respondeu: "Creio que o socialismo é o ideal, mas precisa ser uma democracia." Hã? Mas que pergunta será que eu fiz?

Eu mesma não me lembro. Mas a palavra socialismo estava no meu vocabulário desde o início daquele ano.

Na última aula sobre a 1a Guerra Mundial perguntei ao meu professor de história se seguiríamos a ordem do livro (Eu já estava lendo o capítulo sobre a República Velha). E ele disse que não: iríamos estudar a Revolução Russa de 1917.

Aquela revolução causou uma revolução em mim. "Então quer dizer que é possível?" Eu li absolutamente tudo o que havia no livro didático sobre socialismo: Revolução Cubana, Guerra Fria, os anos 60. Algo importante da minha personalidade estava florescendo.

Tive sorte com o livro também. Ao explicar sobre a disputa Stálin X Trotsky que ocorreu após a morte de Lênin, o livro tratava Stálin como um político rude, dogmático e traiçoeiro. Já Trotsky era tratado como um intelectual refinado e comprometido com suas idéias. Era pouco! Mas o suficiente para que eu começasse a pensar.

Química orgânica: "Para que serve o Brasil ser independente em petróleo. O Preço da gasolina não diminui para as pessoas." Só pra constar: O preço da gasolina influencia no preço de quase tudo. É comida pro pensamento...

E no Ensino Médio fiz uma das perguntas mais importantes para a formação de minhas convicções políticas: "Professor, a URSS sempre foi uma ditadura ou começou depois de Stálin?" E recebi a melhor resposta possível! "Não apenas não era uma ditadura como havia muita discussão acerca do que se faria com os recursos disponíveis." Pronto! Socialismo é o ideal, e podemos construí-lo com democracia.

E sempre foi assim! E continuou! Pensando mesmo! Por que cotas raciais na universidade! O que pensar do posicionamento dos EUA depois do 11 de setembro? O que a Ditadura Militar fez com os Comunistas no Brasil? Pq a gente aprende que o principal da vida é ganhar dinheiro? O que devemos escolher no vestibular: aquilo que gostamos ou aquilo que esperam de nós? Será que a gente consegue passar na UFRGS?...

Era história, geografia, português... Até matemática! Certa vez, alguém contou um episódio de racismo na aula, a professora escutou e aproveitou para puxar a discussão, enquanto a gente copiava do quadro.

Eu ficava simplesmente extasiada! Sempre discutia apaixonadamente! Aprendi ali a ser muito de quem sou.

Meus professores foram muito além do que geralmente se espera deles. Socar conteúdo é mais cômodo. O difícil é criar consciência. E eles criaram. Não vou listar seus nomes porque são muitos, e eu facilmente esqueceria alguém importante. E por isso repito o que digo sempre: É COMO ELES QUE EU QUERO SER QUANDO CRESCER!!!  

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O livro didático que usei no ano que tanto mexeu comigo foi o Nova História Crítica do Mário Furley Schmidt 8a Série (imagem ao lado). Foi usado durante alguns anos na escola, depois foi rejeitado. Também foi alvo de polêmica com jornlista Ali Kamel, que acusou o livro de fazer propaganda ideológica do comunismo. E por que será que o História Martins, que tratava a URSS como uma ditadura-e-ponto-final nunca foi alvo de polêmica?

Eu me permito morrer

Descrição. Pintura em tons de marrom e verde. Uma mulher de cabelos longos e escuros caminha por uma estrada. Ela usa vestido longo de manga...